29 de out. de 2013

Estudo rastreia a pegada de carbono da política tributária brasileira

Incentivos tributários federais para indústria, agropecuária, energia, e transportes pesam na balança das emissões de gases de efeito estufa, diz a pesquisa.



Brasília, 29/10/13 – O Brasil avança na redução de emissões de gases de efeito estufa pela redução do desmatamento, mas as emissões de dióxido de carbono equivalente dos setores de energia e agropecuária aumentaram 41,5% e 23,8% entre 1995 e 2005,  e 21,4% e 5,3% entre 2005 e 2010, respectivamente. Juntos, os dois setores representam 67% das emissões nacionais, mas são, ao mesmo tempo, grandes beneficiários da política tributária do governo. A renúncia fiscal referente aos gastos tributários para energia aumentou na última década (2004-2013). A taxa de crescimento foi de 69% ao ano, depois de 2001, enquanto que no setor de agricultura foi de 38%. No setor automobilístico, a taxa foi de 18% ao ano.

Os dados estão no estudo Pegada de Carbono da Política Tributária Brasileira apresentado hoje em Brasília durante o seminário Política Tributária e Sustentabilidade – Uma plataforma para a nova economia,realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, Instituo Ethos e a Comissão de Assuntos econômicos do Senado. O estudo é o primeiro esforço científico na tentativa de mapear os impactos das políticas tributária do governo no quadro geral das emissões de gases causadores das mudanças climáticas. E a pegada é significativa, garantem os autores.

Transportes e energia

Entre 2011 e 2012, o consumo de combustíveis no setor de transportes cresceu 7,6%, enquanto que as vendas de veículos leves aumentou 4,6% neste mesmo período. O IPI-veicular não seria suficiente para impulsionar este consumo de combustíveis, mas a análise da renúncia fiscal da CIDE-combustíveis, expressa em termos de arrecadação (renuncia de mais de R$8bi somente em 2013), revela que existe forte correlação desse consumo e das emissões do setor com a CIDE, especialmente após a crise econômica mundial de 2008.

De acordo com a pesquisa, o aumento dos gastos tributários referentes ao IPI no setor automobilístico apresentam correlação de 97% com o crescimento da frota e correlação de 85% com o aumento de emissões veiculares brasileiras para os anos de 2007 a 2012.

No setor de energia, os gastos tributários referentes à isenção de PIS/PASEP e COFINS incidente sobre a compra de gás natural e carvão mineral dentro da modalidade termoeletricidade chamaram a atenção dos pesquisadores. Em 2012, a geração termoelétrica atingiu seu pico de 137.156 GWh, ao mesmo tempo em que a participação do carvão e do gás natural também cresceu a 42% (57.630 GWh).

No entanto, quando se compara a média das renúncias fiscais e produção de eletricidade para gás natural e carvão no período 2004-2007 e 2009-2012, observa-se uma forte tendência. Em 2004-2007, a média dos gastos tributários foi de R$ 120 milhões/ano, enquanto que, para o mesmo período, a média de produção termoelétrica foi de 68.485 GWh/ano e 24.357 GWh/ano para geração a gás e carvão.

A pesquisa observa ainda que houve crescimento de 82% das renúncias fiscais entre 2008- 2012 com relação ao período anterior, com média neste período de R$219 milhões/ano, e este aumento refletiu na média de produção termoelétrica, que aumentou cerca de 52%, 104.318 GWh/ano para termoelétricas em geral, e 53%, 37.339 GWh/ano, geração a gás natural e carvão mineral.

Seguindo a mesma tendência, as emissões de termoelétricas a gás natural e carvão cresceram neste mesmo período de renúncia fiscal, uma vez que a média de emissões de GEE em 2004-2007 foi de 3 milhões de ton CO2 eq, e em 2008-2012, de 3,6 milhões de ton CO2 eq, um crescimento de 18,6%.

No campo

De acordo com o estudo, a atividades agropecuárias com maior participação nas emissões, em termos de CO2 equivalente, foram a criação de gado (56.4%) e solos agrícolas (35.2%) em que a utilização de fertilizantes sintéticos desempenha papel importante, já que é responsável por aproximadamente 15% das emissões de N2O (óxido nitroso).

Entre 2006 e 2010, os gastos tributários voltados para o setor de agricultura aumentaram em 62% e alcançaram mais de R$ 12 bilhões em 2012. “Embora os dados referentes a tais gastos não permitam calcular o volume de recursos voltados especificamente para as três culturas [soja, milho e cana de açúcar], podemos inferir que a redução a zero de alíquotas de PIS/PASEP e COFINS neste setor contribuiu para a expansão destas culturas e para a aumento do consumo de fertilizantes sintéticos”, afirma o estudo.

O subsetor da agricultura em que mais houve aumento das emissões no período foi o de fertilizantes sintéticos, utilizados primordialmente nas três culturas e no café (74% do total consumido). A análise da correlação estatística entre gastos e consumo de fertilizantes realizada no estudo aponta uma forte relação entre as renúncias fiscais e o aumento da utilização deste insumo.

“Se, por um lado, o governo tem feito esforços para fomentar agricultura de baixo carbono, por outro, as renúncias fiscais na importação e comercialização de fertilizantes servem de estímulo à expansão de área dos três maiores commodities agrícolas do país e à maior utilização de fertilizantes na sua produção”, destaca o coordenador do estudo.

Apesar do papel primordial dos fertilizantes para o aumento da produtividade no setor agrícola, estudos recentes indicam que o aumento do seu consumo ocorreu desproporcionalmente em relação ao aumento da produtividade e não resultou no estímulo à eficiência produtiva e à redução de emissões no setor.

Conclusões

Este estudo demonstra, com dados atuais e oficiais, que a política tributária brasileira não atende ao que estabelece o artigo 170, VI da Constituição que, em função da Emenda Constitucional 42 de 2003, determina:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado [dentre outros previstos nos incisos de I a IX] o princípio da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

A coerência da política tributária para com outras políticas importantes voltadas ao desenvolvimento sustentável como a Política de Mitigação das Mudanças Climáticas deve ser exigida do governo, recomenda o estudo. Questões como os impactos dos incentivos tributários nas metas de redução de emissões de CO2 e critérios socioambientais para que os benefícios sejam apropriados são pertinentes, embora sejam ignoradas.

É fundamental que os dados de incentivos tributários da Receita Federal sejam desagregados por setores da economia (por atividades econômicas do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas) e estejam disponíveis para que a sociedade possa conhecer e avaliar os impactos (positivos ou negativos) das políticas tributárias do governo federal sobre o meio ambiente e as emissões de CO2.

Atividades econômicas sustentáveis geradoras de empregos tais como aquelas associadas aos serviços ambientais (recuperação, uso sustentável e manutenção de florestas), manejo florestal (madeireiro e não madeireiro), ecoturismo, uso sustentável de produtos da biotecnologia, agroecologia, energias renováveis (solar, eólica), veículos elétricos, transportes coletivos com matriz energética de baixas emissões, dentre outras devem receber fortes incentivos tributários em substituição gradativa aos incentivos atuais voltados para atividades altamente emissoras e intensivas em uso de recursos naturais.

Acesse aqui o sumário executivo do estudo Pegada de Carbono da Política Tributária Brasileira.

Acesse aqui a programação completa do seminário.

FONTE: IPAM.

Prazo para concorrer à concessão na Flona do Crepori termina no dia 26 de novembro

Edital lançado pelo Serviço Florestal adotou modelagem econômica que amplia atratividade para empresas do setor florestal

O prazo para concorrer ao edital de concessão florestal para a Floresta Nacional (Flona) do Crepori, no Pará, está próximo de terminar. As empresas interessadas em participar deste processo têm até o dia 26 de novembro para encaminhar suas propostas.
A concessão na Flona do Crepori, que fica no oeste do Pará, destina mais de 440 mil hectares para o manejo florestal. A área é composta por quatro unidades de manejo, sendo a menor com 29 mil hectares e a maior com 219 mil hectares, dimensionadas com o objetivo de atender empreendedores de diferentes portes.
Com esta iniciativa, empresas têm a oportunidade de ter acesso a florestas para produzir madeira e produtos não madeireiros de forma legal e sustentável por meio do manejo florestal, e podem realizar investimentos de longo prazo pois os contratos de concessão duram até 40 anos.
Seleção
Para se tornar concessionária florestal, a empresa participa de uma concorrência pública dividida em três fases. Na primeira, são avaliados os documentos de habilitação dos candidatos, como declarações de regularidade fiscal, trabalhista e ambiental.
As empresas habilitadas seguem para a etapa seguinte, que consiste na avaliação das propostas técnica e de preço. Os candidatos podem obter 500 pontos em cada uma delas, sendo que aquele com a maior pontuação vence a concessão para a unidade de manejo que disputou.
Na proposta técnica são avaliados os critérios de grau de processamento dos produtos florestais, adoção de inovações tecnológicas associadas ao manejo, implantação de sistema de desempenho da qualidade das operações florestais e investimentos em infraestrutura e serviços para a comunidade local.
A última fase consiste na avaliação da proposta de preço, em que o candidato diz o valor que pagará pelo metro cúbico da madeira extraída. Quanto maior o ágio sobre o preço mínimo, que é R$ 16,38/m³, maior a pontuação.
Atratividade
Na modelagem econômica deste edital, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) incorporou uma série de mecanismos que aproximam os contratos de concessão da dinâmica de operações de manejo florestal sustentável e do gerenciamento do negócio florestal.
A adoção do preço único por metro cúbico foi um desses mecanismos, assim como os prazos para apresentação da garantia contratual, que antes era paga em uma única parcela e agora é escalonada em três etapas, além da ampliação do mecanismo de bonificação, que gera descontos no preço a ser pago pelo metro cúbico de madeira extraída quando são alcançados indicadores de qualidade das operações.

FONTE: Serviço Florestal Brasileiro

16 de out. de 2013

Flona Tapajos faz diferença na gestão de unidades de uso sustentável na Amazônia

Desde 2005 a Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós (Coomflona), unidade de conservação (UC) federal situada no estado do Pará, tem demonstrado ano a ano, a partir dos resultados do manejo florestal comunitário, que as comunidades residentes na UC são capazes de gerir grandes áreas e empreendimentos, além de fazer diferença na gestão de unidades de uso sustentável na Amazônia.

Considerando o plano de manejo florestal aprovado para uma área de 32 mil hectares, a Coomflona iniciou em setembro deste ano as atividades previstas no 8ª Plano Operacional Anual, documento a ser apresentado ao órgão ambiental competente, contendo as informações definidas em suas diretrizes técnicas, com a especificação das atividades a serem realizadas no período de 12 meses em uma Unidade de Produção Anual (UPA).

A UPA nº 8 possui cerca de 1.000 hectares, o equivalente a 0,2% da área total da unidade de conservação. Para esta unidade estão previstos aproximadamente 24.000 m³ de madeira em tora e há expectativa de que serão gerados aproximadamente R$ 5 milhões em receitas com a venda da madeira em tora e mais R$ 2 milhões com a venda de madeira serrada, a partir do desdobro de galhadas que passaram a ser aproveitadas no ano de 2012.

Outro resultado que poderá ser alcançado é a certificação FSC. Recentemente, a equipe da Coomflona passou por auditoria do Forest Stewardship Council e os auditores recomendaram a cooperativa para a certificação. Já neste ano, parte de sua produção deverá sair com o selo FSC. Além da possibilidade de certificação e do aumento das receitas para o ano de 2013, a cooperativa aumentou o quadro de cooperados para 210 pessoas – anteriormente eram 135 cooperados –; adquiriu, em 2012, uma sede avaliada em R$ 500 mil; e tem exercido papel fundamental na retomada da produção de borracha e reestruturação das movelarias existentes na Floresta Nacional do Tapajós que estavam paralisadas.

É preciso reconhecer que a cooperativa, ao apoiar logisticamente pesquisadores, tem papel fundamental no destaque que a Floresta Nacional do Tapajós tem obtido no contexto científico nacional. Desde 2010, é a unidade de conservação na Amazônia e a floresta nacional no Brasil que mais abriga pesquisa científica. Além desse apoio, a cooperativa, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), construiu três novas bases de monitoramento na Flona, o que garantiu relevantes avanços para a proteção da unidade.

Os benefícios gerados às comunidades da Floresta Nacional do Tapajós, como melhoria e abertura de estradas de acesso às comunidades, geração de emprego e renda, investimentos em infraestruturas comunitárias, apoio à iniciativas comunitárias de geração de renda, capacitação e profissionalização dos moradores têm tornado a existência da Coomflona um diferencial para a gestão da UC e para os cerca de 5 mil moradores dessa área protegida da Amazônia Brasileira.

Dárlison Andrade, analista ambiental e coordenador de Manejo Florestal da Flona, avalia a existência e o fortalecimento da Coomflona, enquanto entidade responsável pelo manejo dos recursos naturais da unidade de conservação, como uma estratégia de ação da equipe de gestão da UC. "Nos últimos cinco anos, a cooperativa tem trabalhado sem incentivos financeiros externos e obtido resultados econômicos positivos. Praticamente todas as ações desenvolvidas pela equipe de gestão da Floresta Nacional do Tapajós passaram a ser apoiadas pela cooperativa, tudo graças ao manejo florestal comunitário. Com isso, todos acabam ganhando com o fortalecimento da gestão da unidade – sociedade e governo."

FONTE Comunicação ICMBio

As pegadas do BNDES na Amazônia


 As obras financiadas pelo BNDES são acusadas de disfarçar impactos ao meio ambiente, em populações indígenas e trabalhadores.

Para ler o texto completo, clique aqui.

FONTE Brasil de Fato.

1 de out. de 2013

Jacareacanga: sob intimidação de guerreiros munduruku, Ibama promove audiência pública da UH de São Manoel

Texto do Cândido Cunha, do Blog Língua Ferina:  
As jornalistas do Latin America Bureau (LAB), Sue Branford e Nayana Fernandez, chegaram à cidade de Santarém no dia 5 de setembro. Estão passando um mês viajando pela região para conhecer os impactos de “grandes projetos de desenvolvimento” sobre comunidades locais. Neste fim de semana, elas estiveram em Jacareacanga acompanhando uma audiência pública promovida pelo Ibama para o licenciamento da hidrelétrica de São Manoel, prevista para o rio Teles Pires, na divisa entre os estados de Mato Grosso e Pará. É mais uma obra polêmica do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal que enfrenta forte resistência indígena. A audiência só ocorreu após a suspensão de uma decisão judicial pleiteada pelo Ministério Público Federal que impedia a realização da evento até a conclusão dos estudos de impacto sobre os indígenas e após intimidação de guerreiros munduruku que protestavam no local.
Como mostra o relato abaixo, as consequências dessa política adotada pelo governo para as hidrelétricas da bacia Tapajós-Teles Pires não são de todo imprevisíveis: o tratamento dispensado às populações amazônicas pelos governos Lula e Dilma desde Jirau e Santo Antônio, passando por Belo Monte, é em tudo idêntico ao que a ditadura militar fez para implantar as barragens de Balbina e Tucuruí. O imprevisível é que tipo de conflito pode ser provocado pela divisão entre os Munduruku, uma nação de mais de 10 mil indígenas.


O texto a seguir foi enviado por Sue Branford com exclusividade para o blog Língua Ferina. As fotografias são de Nayana Fernadez, também gentilmente cedidas ao blog.
Jacareacanga, 30 de setembro de 2013.
Por Sue BranfordNeste domingo, 29, foi realizada no município de Jacareacanga, sudoeste do Pará, a segunda audiência pública sobre a hidrelétrica São Manoel. A usina é uma das quatro projetadas no rio Teles Pires, um dos principais afluentes do Tapajós, e deverá afetar diretamente os territórios indígenas da região.
Porém, nem tudo transcorreu com a tranquilidade esperada pelo governo. Um grupo de índios Munduruku, pintados para guerra, conseguiu barrar por mais de uma hora a entrada do público e dos funcionários do governo federal no ginásio esportivo onde ia ser realizada a audiência pública. Os índios – homens, mulheres e crianças – protestavam energicamente contra a realização da audiência, mesmo ante uma ostensiva presença da polícia militar no ginásio – e um contingente ainda maior na retaguarda.
A grande maioria dos índios falava em Munduruku, mas, pelo número de vezes que eles mencionavam, em português, o “Ministério Público Federal”, dava a entender que sua recusa em participar da audiência tinha relação com a avaliação do MPF, que no dia 23 de setembro havia pedido a suspensão urgente da audiência até a finalização do estudo de avaliação de impactos da obra sobre os povos indígenas, chamada de estudo do componente indígena. 
E, de fato, a audiência pública havia sido cancelada por decisão da Justiça Federal poucos dias antes do evento em função de graves problemas referentes aos estudos de impacto da obra sobre os indígenas e a não conclusão do estudo do componente indígena. Citando pareceres da Funai, o MPF havia apontado muitas falhas nos estudos realizados, inclusive nas ações integradas em proteção territorial, proteção aos índios isolados, proteção à saúde e monitoramento participativo da qualidade da água, da fauna e das espécies de peixes. “Apenas essa constatação já seria suficiente para demonstrar que não se pode chegar às audiências públicas sem que estes programas estejam em debate, sob pena de se tornarem inócuas”, alertaram os procuradores da República Felipe Bogado e Manoel Antônio Gonçalves da Silva, que atuam em Mato Grosso, e Felício Pontes Jr., que atua no Pará. Para o MPF, essa irregularidade tornava-se ainda mais grave por se tratar de um processo de licenciamento que, segundo palavras da própria Funai, é marcado “por conflitos e tensões, e alguns confrontos diretos” e em que o estudo do componente indígena está sendo feito de qualquer maneira, “apenas para cumprir tabela”.
Porém, a audiência foi realizada graças à intervenção da Advocacia Geral da União junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que reverteu a decisão judicial no último momento.
A grande maioria dos índios com os quais conversamos, na manhã do último domingo, nas ruas de Jacareacanga, sentem, de fato, que as hidrelétricas, não só a de São Manoel, mas também todas as muitas outras planejadas para a região, estão sendo impostas de forma implacável, sem levar em conta o enorme risco à cultura e à própria sobrevivência indígena.
Os Munduruku estão vendo acontecer no licenciamento das hidrelétricas do Tapajós e do Teles Pires as mesmas irregularidades e graves violações de direitos que fizeram de Belo Monte um dos projetos mais controversos do governo brasileiro. Em Belo Monte, assim como ontem em Jacareacanga, as audiências aconteceram graças à ajuda providencial e rápida do habitualmente lento Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em Belo Monte, como ontem em Jacareacanga, as audiências públicas foram marcadas por intensa presença policial e nenhum estímulo à participação. E os indígenas têm fortes razões para acreditar que, assim como em Belo Monte, o governo federal vai tentar usar audiências públicas como a de Jacareacanga para dizer ao poder Judiciário e à sociedade que fez a consulta prévia indígena que é obrigatória segundo a Convenção 169 da OIT.
Contudo, os índios Munduruku não estão unidos. Na manhã de ontem assistimos uma longa discussão (em Munduruku) de lideranças indígenas na praça central da cidade. Segundo as informações que obtivemos, os índios estavam tentando, sem êxito, chegar a um consenso sobre a posição a adotar em relação à audiência pública. Segundo lideranças indígenas, no processo de sufocar a resistência dos Munduruku, o governo brasileiro está deliberadamente criando divisões internas entre eles, transformando parentes em inimigos. 
Depois de mais de uma hora de manifestação, chegou à entrada do ginásio um grupo de índios liderados pelo vice-prefeito da cidade (que também é indígena), acompanhado de quatro diretores do Pusuru, a mais importante organização Munduruku, atualmente controlada por índios urbanos ligados à prefeitura de Jacareacanga, cujo prefeito é hoje Raulien Queiroz, filiado ao PT. Depois de uma curta conversa, o vice-prefeito e os líderes da Pusuru avançaram aos empurrões e conseguiram romper o cinturão que os índios haviam montado. Eles – e logo depois o público, inclusive vários Munduruku que os seguiam, entraram no ginásio.
Logo depois começou a audiência. Sobre um palco, dez homens brancos. À sua frente, as três primeiras filas repletas de homens da cidade – pareciam comerciantes, fazendeiros, funcionários públicos, uma e outra mulher. E, cada vez mais distante do palco, os habitantes mais humildes da cidade e os índios Munduruku. O evento começou com o hino nacional. Todos se levantaram, mas só cantaram os visitantes no palco e a plateia das três primeiras filas. Os índios ficaram calados, de boca fechada.
A linguagem das apresentações era bastante técnica. Na verdade, acontecia um show, uma jogada de “marketing estatal” para vender a hidrelétrica à plateia. Servia-se água gelada e um pequeno lanche de doces. Ninguém, em nenhum momento, questionou se, de fato, a hidrelétrica traria mais problemas do que benefícios para o município de Jacareacanga. Que a hidrelétrica é sinônimo de progresso para a região era tido como coisa certa. As perguntas – e para fazer uma pergunta havia que se inscrever e apresentar a questão por escrito – pediam esclarecimentos ou, vez ou outra, questionavam sobre as cifras que o município receberia em assistência financeira para enfrentar possíveis transtornos. Do que ouvi – e sai pouco antes de terminar – houve uma única indagação indígena, aliás, vinda de um índio conhecido por ser ”barrageiro”, como são chamados aqueles que apoiam a instalação das hidrelétricas.
Segundo lideranças da resistência indígena, eles cederam e liberaram a entrada do ginásio para evitar um grave conflito entre seu próprio povo. 
Os visitantes chegaram de avião pouco antes do horário marcado para a audiência e certamente partirão na manhã seguinte. Uma audiência pública? Talvez. Mas muito longe de uma verdadeira consulta popular e participativa, como lhes garante a lei.
Leia outros textos da viagem de Sue Branford e Nayana Fernandez pela região:
Rio Trombetas: O Último Quilombo
Sue Branford e Nayana Fernandez: A vida num garimpo
Rio Tapajós: Jornalista inglesa e sua equipe são hostilizados por pesquisador e homens da Força Nacional

FONTE: Língua Ferina, disponível também aqui.