A diversidade musical das comunidades indígenas do norte do Amazonas e
do Estado de Roraima foi reunida em uma inédita e rica coletânea. São
quase quatro horas de 80 faixas musicais de grupos indígenas das etnias
baniwa, wapichana, macuxi e tauepang, resultado do projeto intitulado “A
Música das Cachoeiras” do grupo Cauxi Produtora Cultural. O nome é uma
referência às correntezas da bacia do Alto rio Negro. O coordenador
Agenor Vasconcelo define o projeto como um “registro etnográfico
audiovisual”, no qual o principal foco é a música.
O lançamento em Manaus acontece no próximo dia 6 de dezembro, na
Estação Cultural Arte e Fato. É partir desta data que o conteúdo
completo estará disponível para download pelo endereço www.musicadascachoeiras.com.br. Uma prévia do material já pode ser acessada nos seguintes endereços: facebook.com/musicadascachoeiras e soundcloud.com/musicadascachoeiras.
Os autores do projeto “A Música das Cachoeiras” empreenderam uma
expedição de janeiro a junho deste ano nas comunidades indígenas.
Registraram a gaitada do músico Ademarzino Garrido e a embolada do
pandeiro de comunidades do Alto Rio Negro, no Amazonas, a incomum
mistura forró tradicional com a dança tradicional Parixara, o hip-hop
dos índios taurepang, entre outros gêneros musicais indígenas.
Conheceram músicos de cada comunidade, além de compositores já
consolidados nas cidades de São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro,
e em Boa Vista (RR), como Paulo Moura, Eliakim Rufino, Mike Gy Brás,
Paulo Fabiano e Rivanildo Fidelis.
O projeto foi integralmente patrocinado pelo programa Natura Musical,
no valor de R$ 100 mil, selecionado por meio de edital nacional em
2012, por meio da Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura do
Governo Federal. O acervo inclui gravação de músicas e vídeos,
registros fotográficos, produção de uma cartilha e a criação de um site.
Os realizadores explicam que o projeto nasceu de uma ideia: resgatar a
mesma expedição que etnógrafo alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924)
realizou nas comunidades do Alto Rio Negro e na região do Monte Roraima
entre 1903 e 1913. Koch-Grünberg foi um pesquisador que morou na região e
registrou em suas obras a cultura material e imaterial dos povos
ameríndios.
Agenor Vasconcelos tomou conhecimento sobre a pesquisa do alemão na
época em que fazia mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia na
Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “O grande desafio após o
término do mestrado seria poder viajar e colher as minhas próprias
impressões, refazendo o trajeto já esmiuçado por mim diversas vezes
mentalmente por meio dos registros de Koch-Grünberg. O que eu não
esperava seria a possibilidade de formar um grupo expedicionário para
pesquisar em equipe. Isso foi fantástico”, explicou.
Após a seleção no projeto Natura Musical, uma equipe de seis pessoas
formada por músicos, fotógrafos, produtores e antropólogos iniciou a
viagem pelas áreas escolhidas. Envolvidos de tal forma com os músicos de
cada região, a equipe acabou também produzindo composições com os
integrantes das bandas das comunidades.
“Mas não havia intervenção direta. Sempre estávamos preocupados em
possibilitar uma gravação profissional independente das condições de
trabalho. Na foz do rio Içana, por exemplo, ponto limítrofe da expedição
no alto rio Negro, conseguimos reunir uma banda de teclado, guitarra e
vocal. Havíamos levado pré-amplificadores, microfones condensadores,
interface de áudio e muitos quilos de equipamentos para montar um
estúdio aonde quer que fosse. Gravamos e os resultados são maravilhosos e
divertidos”, explica.
Inspiração e aprendizado
Entre as boas surpresas encontradas na viagem, está Ademarzinho
Garrido que, segundo Vasconcelos, é descendente de Germano Garrido,
anfitrião de Koch-Grünberg na época em que o alemão esteve no Alto Rio
Negro. Ademarzinho é líder da banda Maripuriana, onde toca violão e
gaita. No registro feito pela equipe, Vasconcelos descreve a
participação de Ademarzinho como o autor de “um solo de gaita, que
dialoga com a guitarra em vários momentos da canção”.
A equipe também esteve na comunidade baniwa Itacoatiara-mirim, onde
conheceu Luiz Laureno, e na comunidade Boa Vista, na foz do rio Içana,
onde gravou com a banda Taína Rukena. Nesta mesma comunidade registrou
hinos evangélicos cantados na língua nhengatu acompanhados em teclados
eletrônicos e em ritmo calipso.
Nas comunidades indígenas de Roraima, o grupo registrou o som
parixara, um ritmo “lento que se dança em longas filas e rodas e com
cantos variados”, conforme descreve Agenor Vasconcelos, e o tukúi e
marik, cantos interpretados pelos índios macuxi e taurepang.
Além do componente etnográfico e audiovisual, a equipe de “A Música
das Cachoeiras” espera que o acervo seja uma fonte de pesquisa para
futuras gerações e inspiração para os artistas. “Tanto músicos como
pintores, literatos, poderão basear novas criações a partir dessa tão
rica cultura Amazônica”, diz Vasconcelos.
O coordenador conta que a pesquisa foi também um aprendizado para
eles próprios. “Pudemos aprender nuances da língua e da cultura dos
povos que tivemos oportunidade de conhecer. Por meio da música
figurativa, cantada, também percebemos a língua indígena viva no seio de
um Brasil distante”, afirma..
O projeto “A Música das Cachoeiras” estará disponível gratuitamente
no site oficial. Ele é composto por faixas, clipes e mini-documentários.
Um livro-CD que também foi produzido terá 2/3 de seus exemplares
distribuídos gratuitamente.
Participação de comunidades
O indígena do Alto Rio Negro Moisés Luiz da Silva considera o
registro e a divulgação da música de seu povo como fundamental para
valorização da cultura baniwa. Moisés foi o principal articular entre a
equipe do projeto e as lideranças da sua comunidade Itacoatiara-mirim.
Entre os que participaram da gravação estão Luiz Laureano da Silva,
mestre da maloca, Mário Felício Joaquim e Luzia Inácia.
“Recebi a notícia sobre o projeto pela professora Deisy Montardo
(Ufam). Então o Agenor entrou em contato comigo e conversamos. O segundo
plano foi consultar o povo e as lideranças baniwa, que concordaram em
participar. Achamos que esse registro de gravações de músicas é uma
forma de valorizar nossa cultura e divulgar para outras sociedades
indígenas e não-indígenas”, afirmou Moisés.
O grupo baniwa já participou de outros projetos, como o Podáali
Valorização das Músicas, patrocinado pela Petrobrás Cultural, e do Museu
do Índio, em 2013.
FONTE: Texto do site Amazônia Real, disponível também aqui.
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