18 de jun. de 2010

Artigo sobre as mudanças no Código Florestal

Abaixo, leiam artigo de André Lima*, divulgado no Correio Braziliense de 17/06/2010.
Por Infeliz coincidência, na semana seguinte ao Dia Internacional do Meio Ambiente o deputado federal Aldo Rebello (PCdoB/SP) apresentou seu relatório para alterar o Código Florestal Brasileiro, motivado pela forte mobilização pré-eleitoral de grandes produtores rurais em várias partes do país, que demandam a flexibilização das regras de proteção das florestas, cerrados e outros ecossistemas naturais. Sob pretexto de solucionar algumas dificuldades reais que pequenos produtores rurais enfrentam em todo território nacional, o relatório apresentado na semana passada vai muito além da legítima demanda dos agricultores familiares e até mesmo dos ruralistas mais moderados. Aldo propõe a anistia indiscriminada de desmatamentos ilegais ocorridos até julho de 2008 em todo país. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, somente nos cerrados e florestas da Amazônia, essa anistia premiará mais de 40 milhões de hectares de desmatamentos ilegais verificados depois de 1996. Em extensão de terra, o prêmio equivale a quase 40 milhões de campos de futebol. Em toneladas de CO2 são 14,6 bilhões de toneladas ou a praticamente tudo o que foi emitido na atmosfera por desmatamentos e queimadas florestais na Amazônia nos últimos 20 anos. O relatório ruralista propõe ainda que cada estado brasileiro possa, a seu critério, reduzir em até 50% os limites definidos pela legislação federal nas áreas de preservação permanente, que correspondem às matas protetoras dos cursos d’água em margens de rios, lagos e nascentes. Esses mesmos espaços territoriais, não por acaso, são considerados pela Defesa Civil como áreas de risco, em função dos eventos climáticos extremos, tais como as cheias e trombas d’água que desalojaram milhares e milhares de famílias, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país, nos últimos dois anos. Como se não bastasse, o relatório vai além. Propõe a isenção da reserva legal para imóveis de até quatro módulos fiscais e a exclusão de quatro módulos fiscais da base de cálculo das reservas legais de cada propriedade média e grande em todo território do país. Isso pode significar, somente na floresta amazônica, exclusão da reserva legal em até 70 milhões de hectares. Supondo, conservadoramente, que metade dessas áreas já esteja desmatada, ainda assim o projeto de lei retira a proteção legal de cerca de 35 milhões de hectares de florestas. Se aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente Lula, estarão liberados cerca de 12,8 GtCO2 hoje estocados nas florestas da Amazônia, ou três vezes a meta brasileira de redução de emissões por desmatamento apresentada em dezembro último pela ex-ministra Dilma Russef em Copenhague. Conclui-se que a proposta em debate praticamente anula os esforços da Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei Federal 12.187) aprovada em dezembro de 2009 e que estabelece uma meta nacional voluntária de redução de CO2 estimada entre 36,1% e 38,9% das emissões projetadas até 2020. Na tentativa de maquiar a bomba relógio de CO2 prestes a ser acionada no Congresso, o relatório prevê uma moratória de desmatamentos para os próximos cinco anos. Depois de tamanha complacência com os desmatamentos ilegais em todo país, alguém acredita em sã consciência na viabilidade desse dispositivo retórico? Muitos se orgulham do Brasil ser o maior exportador de soja, carne bovina, etanol, algodão, de ser o celeiro do mundo, embora seja também, como consequência, o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Não podemos mais ignorar que temos 30% da biodiversidade do planeta, 25% das florestas tropicais do mundo, 12% de toda água doce da Terra, centenas de povos indígenas e milhares de comunidades das florestas. Será que vamos acordar ainda no início deste século 21 para o fato de que o Brasil é a maior potência socioambiental do planeta e que merece do seu Legislativo e de seus governantes tratamento à altura dessa condição privilegiada? Meus votos são de que o bom senso impere, que o relatório aqui comentado não prospere e que em 2010 possamos ouvir dos candidatos à Presidência da República propostas e programas consistentes, que nos direcionem para um processo qualificado e duradouro de desenvolvimento inclusivo, solidário, justo e, sobretudo, fraterno para com as presentes e futuras gerações. Não podemos mais cortar os galhos sobre os quais estamos todos sentados!
*André Lima é Advogado, mestre em gestão e política ambiental pela UnB, coordenador de políticas públicas do Ipam, ex-diretor de políticas de controle dos desmatamentos do Ministério do Meio Ambiente.

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