A Secretaria da Mulher do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) está terminando de elaborar uma pesquisa sobre o perfil da mulher extrativista, com apoio da agência de cooperação alemã, GIZ. O CNS já ouviu 46 associações de mulheres em nove estados da Amazônia Legal. A previsão é que o estudo deve ser publicado até o final do ano.
Segundo levantamento da CNS, mulheres extrativistas querem mais crédito e assistência técnica para a produção; internet pode mudar realidade produtiva
Rosana é ribeirinha. Mora com a família na várzea do rio Pará, a 30 minutos de barco de Curralinho na ilha de Marajó. Tem trinta anos e ainda não teve filho. Exerce vários ofícios. Aprendeu todos na prática. Como costuma repetir, “ribeirinho tem de fazer de de tudo um pouco”.
Na época da chuva, entre dezembro a maio, sua atividade é subir o rio de canoa, coletando o açaí. Parte consome com a família de oito irmãos; parte vende na cidade – com preços que flutuam entre R$ 10,00 a R$ 20,00 uma lata de 15 kg.
Quando a chuva acaba, Rosana faz as vezes de pescador artesanal. Joga a tarrafa e arma o matapi1. Ela conta que a “safra” do camarão é junho. “O problema é que com muito oferta o preço cai”, reclama. Pra agregar valor, descasca e salga antes de vender.
Além do camarão e do açaí, Rosana também trança cestarias e confecciona biojoias. E não é só isso: quando tem eventos públicos em Curralinho, Rosana sempre consegue um bico de cozinheira.
Satisfeita com seu ritmo de vida, não tem planos de buscar outro trabalho. Tampouco quer mudar para a capital do estado. Sempre procura cursos de assistência técnica. (Atualmente freqüenta uma capacitação de beneficiamento do açaí – oferecido pelo Instituto Peabiru, de Belém do Pará.)
O caso de Rosana faz parte de uma pesquisa, ainda inédita, que a Secretaria da Mulher do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) está terminando de elaborar, com apoio da agência de cooperação alemã, GIZ. O CNS já ouviu 46 associações de mulheres em nove estados da Amazônia Legal. A previsão é que o estudo deve seir até o final do ano.
Segundo Cristina da Silva, organizadora da pesquisa, as associações de mulheres na Amazônia ainda estão nos primeiros passos para se organizar como produtoras. A elas, faltam principalmente informações e capacitação. Linhas de financiamentos nunca chegam. “Sem contar as questões culturais que as impede de uma maior autodeterminação”, diz Cristina.
Segundo os primeiros resultados da pesquisa, apenas 26% dos grupos extrativistas entrevistados tiveram algum membro beneficiado por alguma linha de crédito. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) não atingiu nem 5% deles. O Pronaf Mulher tem resultado nulo, 0%. Veja quadro:
Francisca Augusta Rodrigues, moradora da reserva extrativista Rio Ouro Preto, em Guajará-Mirim, Rondônia, jamais foi beneficiada por algum tipo de financiamento. Nasceu na beira do rio, criou sete filhos, que hoje moram na cidade. Ela se mantém ativa, coletando coco babaçu nas cercanias do terreno.
Francisca participa da associação de Mulheres Extrativistas Ouro Preto, mas o único benefício que recebe é a ajuda no transporte da produção para a cidade. Do coco babaçu, ela extrai o óleo que vende no comércio local de Guajará-Mirim por R$ 25,00 o litro.
Transporte - Segundo a pesquisa, transporte tampouco é o forte dessas trabalhadoras, o meio mais usado por elas é a canoa (41%), seguido de barco e bicicleta, 35% e 33% respectivamente. Ônibus públicos também parecem distante da realidade delas, só 13% declararam ter acesso. Veja quadro abaixo:
As associações se empenham em disponibilizar transporte para suas beneficiadas, mas a maioria só consegue fornecer canoas e bicicletas (15%). Só 2% dos grupos têm carros.
Comunicação – Rosana tem celular. Sua casa tem gerador a diesel e, caminhando alguns minutos, ela chega a uma estrada de terra acessada por uma linha de ônibus.
Mas aqui ela também é exceção. Dos grupos entrevistados apenas 30% usam meios de comunicação como telefone, rádio ou carta. Mas a boa notícia é que 19% têm e-mail. O que pode indicar uma revolução em curso no meio extrativista amazônico provocada pela internet . Abaixo:
Para Cristina, coordenadora da pesquisa, a primeira leitura desses dados mostra que a realidade da mulher extrativista não está livre dos impactos do mundo contemporâneo. Mas seu estilo de vida ainda é voltado para a família.
“A mulher extrativista tem muita influência do modo de vida indígena”, afirma Cristina. Segundo ela, até anos atrás, com o ritmo lento de vida na zona rural, essas mulheres não precisavam de planejar o futuro. “Viver o presente já bastava”, afirma Cristina. “Falar em organização gerencial, linhas de crédito, longo prazo, etc.. soava distante de mais do dia-a-dia delas”, conclui a pesquisadora.
Joci Aguiar, diretora do GTA2, concorda que a questão cultural atrapalha o desenvolvimento do movimento de mulheres na região. “Mesmo que trabalhe mais que o homem, o trabalho delas é inferiormente remunerado”, afirma. Segundo Joci, o preconceito começa dentro de casa. “As decisões ainda são tomadas pelo marido”, afirma.
No entanto, Joci acredita que espaços sociais e políticos vêem sendo conquistado pelos movimentos de mulheres. E esses 46 grupos ativos levantados pela pesquisa são prova disso.
Por outro lado, Cristina da Silva afirma que os governo e instituições potencialmente apoiadoras dispõem de poucas informações sobre a realidade delas para poder atendê-las com eficiência.
“O INCRA3 por exemplo oferece casas para essas mulheres, mas não pesquisa quais as necessidades da família”, diz Cristina. “Então compra telhas de alumínio (que saem mais barato), mas são inadequadas para o calor amazônico”, avalia ela.
Enquanto isso, as comunidades vivenciam as mudanças na Amazônia. Francisca disse que hoje na resex do rio Ouro Preto há falta de mão-de-obra para a coleta do babaçu. “Todos foram trabalhar na usina”, afirma. Ela se referia às obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.
Para pesquisa completa, clique aqui: QUESTIONÁRIO SOBRE OS GRUPOS PRODUTIVOS DE MULHERES EXTRATIVISTAS
Notas:
- Luiz da Motta é jornalista, especializado na floresta amazônica e consultor do GTA;
- Joci Aguiar é coordenadora geral da Rede Acreana de Homens e Mulheres;
- Instituto Peabiru: Organização da Sociedade Civil, sediada em Belém/PA, cuja missão de educar para a valorização da biosociodiversidade amazônica, www.peabiru.org.br;
- Matapi: artefato de pesca tradicional do camarão, muito utilizado na Amazônia;
- GTA: Grupo de Trabalho Amazônico. Organizaçao que congraga cerca de 600 entidades dos movimentos sociais da Amazônia, www.gta.org.br;
- Incra: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, www.incra.gov.br.
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