23 de mar. de 2015

Formulário da Norte Energia é um convite ao não preenchimento

Curiosa, a Norte Energia! Certamente no intuito de garantir os legítimos direitos das pessoas atingidas pelo desastre socioambiental que está causando, ela decidiu agora exigir que todas consigam declarações de que existem e moram há tantos anos nas casas e/ou áreas das quais estão sendo expulsas! Mas não só: para isso ela criou um formulário que é um convite ao não preenchimento. Obviamente ciente de que na maioria dos casos estará lidando com pessoas mais humildes e, em boa parte das vezes, temerosas de coisas que não dominam, a gentil Nesa optou não por um texto acessível e de fácil preenchimento, mas, bem ao contrário, por algo que pode ter um efeito intimidatório.



Conforme pode ser visto na imagem acima, o formulário da Declaração começa com os dados normais: nome, endereço, números de documentos etc. Logo em seguida, entretanto, vem, o aviso:

“Eu, acima qualificado, ciente de que posso ser processado criminal e civilmente por falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal[1]) e por causar danos patrimoniais, sendo obrigado a cumprir pena em estabelecimento prisional e ter de indenizar em dinheiro a Norte Energia S.A., em decorrência de informações inverídicas aqui prestadas, declaro, por livre e espontânea vontade, para fins de prova e concessão de benefício ou reconhecimento de direito em favor da(s) pessoa(s) abaixo(s) identificada(s): QUE sou plenamente capaz para atos da vida civil, não sendo acometido por qualquer doença mental; QUE conheço o(a) Sr(a).”…

Em seguida, novamente, há espaço para preenchimento do nome e do endereço no qual deve ser informado (sob pena dos crimes acima citados, claro!) há quantos anos a pessoa em questão mora no local. Mas antes é melhor olharmos o que a nota de rodapé (ora, é óbvio que ribeirinhos, pescadores, extrativistas, moradores de palafitas e outros tantos usam “notas de rodapé” desde pequeninhos, não?) que marcamos com o [1] diz. Vamos a ela:

“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte”. 

Ótimo, justo e democrático: agora a pessoa, que talvez estivesse meio em dúvida quanto ao significado do artigo 299 do Código Penal e até quanto a alguns termos usados no primeiro texto, sabe perfeitamente por quanto tempo se arrisca a ficar na prisão ao preencher o documento pedido pelo vizinho, pelo compadre, pela amiga…

Você pensa que já acabou? Tolinho… Tolinha… Tem mais: na lista dos possíveis crimes que podem ser perpetrados contra a Norte Energia tem ainda uma lista de declarações a serem feitas sobre pena de alguma coisa dentre as já citadas. Delas, destaco uma que com certeza me impediria de assiná-lo até para a minha falecida mãe. Diz ela: “QUE não sou inimigo da Norte Energia S.A. e nada tenho contra o empreendimento ou sua responsável”. Interessante!

FONTE: Texto de Tânia Pacheco para Racismo Ambiental, disponível também aqui.

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