Órgão diz que cobrança está prevista em lei, mas nunca foi feita; Pará pode ter abdicado de até US$ 100 bi em 10 anos.
O Pará está jogando fora uma fortuna que poderia reduzir seus índices africanos de pobreza. Ele deixa de arrecadar R$ 5 bilhões por ano com a exploração dos recursos hídricos por empresas mineradoras que atuam no Estado. A cobrança, que não é taxa ou imposto, está prevista em lei, mas nunca foi feita. A omissão já dura mais de dez anos. As empresas usufruem de outorga gratuita e ainda gozam de renovação sistemática das licenças a cada dois anos. Se a cobrança fosse realizada hoje e as mineradoras tivessem de pagar tudo o que deixaram de recolher em mais de uma década, segundo especialistas consultados pelo Estado, a dívida seria de US$ 80 bilhões a US$ 100 bilhões, o equivalente a quase duas vezes o Produto Interno Bruto do Pará.
A Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB/PA) decidiu exigir do governo estadual que a cobrança seja feita. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB, Ismael Moraes, argumenta que "inexiste qualquer motivo para que as empresas que utilizam as águas paraenses sejam isentadas de pagamento como está ocorrendo há mais de uma década". Moraes, em ofício enviado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), disse que a OAB quer fazer parte do Conselho de Recursos Hídricos do órgão para pressionar pela cobrança. O Conselho existe no papel, mas nunca funcionou. Hoje, somente Ceará e São Paulo cobram pelo uso industrial da água. Como os rios e mananciais são de domínio exclusivo do Estado, compete a ele cobrar e utilizar os recursos.
A Agência Nacional de Águas (ANA) tem atribuições quando se trata de rios do domínio da União. Os únicos que hoje são obrigados a pagar ao Estado são os pequenos consumidores. Também são os únicos que a Sema fiscaliza e autua caso cavem um poço artesiano no fundo do quintal sem autorização. As indústrias, segundo especialistas ouvidos pelo Estado, consomem a média de 3,5 bilhões de litros de água no processamento dos minerais. Os gastos também são grandes no resfriamento dos lingotes de alumínio e nas refinarias de alumina. Mas é no transporte de bauxita e caulim pelos minerodutos que o consumo é astronômico. Além de não cobrar, o Estado não possui nenhum controle sobre o que é consumido pelas mineradoras.
Técnicos que atuam nos projetos estimam, com base nas centenas de milhões de m³ de água utilizados nas indústrias minerais, multiplicadas por apenas 30% do valor cobrado pela Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) do consumidor doméstico, que o Estado perca mais R$ 800 milhões apenas com o mineroduto de 244 km da norueguesa Norsk Hydro, que leva bauxita de Paragominas, no leste do Pará, para Barcarena, polo industrial próximo a Belém. O diretor do Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará (Simineral), José Fernando Júnior, afirma que o setor cumpre a legislação. Ele confirmou que as mineradoras são licenciadas pela Sema e que não pagam pela exploração da água. "Nós somos autorizados pelo órgão ambiental, que concede a outorga e faz a renovação a cada dois anos." O governo do Pará e a Sema não quiseram se pronunciar.
FONTE: Texto de Carlos Mendes, de Belém, especial para o Estado de S.Paulo, disponível aqui.
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