30 de abr. de 2016

Estudo inédito apresenta valor econômico e social de unidades de conservação

A criação e manutenção de Unidades de Conservação (UCs) traz benefícios sociais e econômicos ainda mais amplos do que aqueles diretos gerados pela conservação da biodiversidade. Para quantificar esses benefícios, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza desenvolveu um estudo inédito no Brasil.

O lançamento do estudo faz parte das comemorações dos 25 anos da instituição, cujos projetos apoiados já beneficiaram cerca de 500 UCs em todo o país. Além de valorar os benefícios gerados pelas duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) pertencentes à instituição, que juntas somam 11 mil hectares, o roteiro de como os cálculos foram realizados foi disponibilizado [confira aqui], sendo possível a sua aplicação em qualquer área natural.

No caso da Reserva Natural Salto Morato, em Guaraqueçaba (PR), somando-se os benefícios econômicos e sociais locais, que envolvem diretamente Guaraqueçaba e entorno; e globais, aqueles que refletem na qualidade de vida do planeta, estimou-se a geração anual de cerca de R$ 2,1 milhões em benefícios, convertidos em valores monetários. Esse montante não inclui os benefícios diretos para a conservação, aqueles que envolvem a valoração da biodiversidade em si e que são incalculáveis, visto que a reserva protege 2.253 hectares de Mata Atlântica, o ambiente natural brasileiro mais ameaçado, fragmentado e do qual só restam cerca de 10%.

No caso da Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante (GO), que protege cerca de oito mil hectares, o valor chega a R$ 1,7 milhão ao ano. O valor também não inclui o benefício direto para a conservação: a reserva protege áreas do segundo ambiente natural mais ameaçado do país, o Cerrado.
“Os benefícios de proteção da biodiversidade e os serviços ambientais que as UCs fornecem à sociedade não têm sido suficientes para incentivar a implementação de políticas públicas voltadas à expansão e consolidação dessas áreas protegidas no país”, alerta a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes, ao explicar o cenário que motivou o desenvolvimento do estudo de valoração. E completa: “por isso, estamos oferecendo novos argumentos positivos sob outros pontos de vista, como o econômico e o social”.

O resultado prático indicado pela diretora executiva pode consolidar a relevância das unidades de conservação no cenário brasileiro, ampliando a percepção de seus benefícios na sociedade e contribuindo para a implantação de mais políticas públicas a elas relacionadas. “A valoração também pode ser utilizada como ferramenta de mensuração, avaliando o desempenho da gestão dessas áreas e indicando a amplitude real dos benefícios, diretos e indiretos, que elas proveem à população”, avalia a diretora.

Para potencializar a utilização do estudo de valoração, foi desenvolvido um roteiro metodológico que traz o passo a passo da aplicação em qualquer unidade de conservação – embora o estudo seja mais focado em unidades de conservação de proteção integral. O documento está disponível gratuitamente a governos, gestores de UCs e proprietários de reservas particulares, mediante a assinatura de um termo de cooperação técnica, em que a Fundação Grupo Boticário cede a metodologia utilizada.
Como se valora uma unidade de conservação?

Utilizando como estudo de caso as duas RPPNs mantidas pela Fundação Grupo Boticário, o roteiro elencou benefícios passíveis de valoração que essas unidades de conservação oferecem, seja para seus mantenedores, para a sociedade de modo geral ou mesmo para as prefeituras dos municípios onde estão implantadas. Dentre os benefícios valoráveis estão as receitas adquiridas com uso público (ecoturismo); o fornecimento de água; os benefícios fiscais para os municípios, provenientes de arrecadação de impostos gerados pela presença da UC (ICMS Ecológico ou imposto territorial, por exemplo) e o impacto das contratações e aquisições da UC no comércio e mercado de trabalho locais.
Também podem ser valorados benefícios relacionados a Emissões evitadas de Gases de Efeito Estufa (GEEs), como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (chamado de REDD), sequestro de carbono por restauração da vegetação; e pecuária evitada, atividade de alta emissão de GEEs. Outro benefício é a erosão de solo evitada, serviço ambiental de controle de erosão e assoreamento pela conservação de remanescentes de vegetação nativa.

Benefícios vão de economia de gastos a injeção de recursos

Alguns dos benefícios avaliados podem representar economia diretamente para a população: como o abastecimento de água. A valoração desse benefício estima quanto uma população gastaria para ter acesso a água tratada da companhia de saneamento local. No caso de Salto Morato, por exemplo, uma comunidade de mais de 140 pessoas é abastecida por um rio que nasce na reserva e é protegido por ela. Se a UC não estivesse ali e o fornecimento e o tratamento da água estivessem vinculados a uma companhia de saneamento, essa população gastaria em torno de R$ 36 mil ao ano.

Além de economia, outros benefícios geram a injeção de recursos nas comunidades, como é o caso do retorno financeiro das atividades de ecoturismo. Se ao visitar Salto Morato uma pessoa gasta, no mínimo, R$ 100 por dia na cidade-sede da reserva, com alimentação e hospedagem, por exemplo, a tendência verificada é que ao menos 30% desse valor seja gasto novamente na própria cidade. Esse benefício tem grande peso na valoração final de Salto Morato, chegando a R$ 860 mil ao ano, o que 
representa quase 40% do valor total apurado.

Outro benefício relacionado a investimentos diretos são as contratações e aquisições locais: gastos decorrentes com compras de produtos, serviços, além dos salários dos funcionários que trabalham na unidade de conservação. Anualmente, estima-se que cerca de R$ 377 mil são revertidos para a economia da cidade-sede da Reserva Natural Serra do Tombador; e R$ 452 mil para a cidade-sede da Reserva Natural Salto Morato.

As receitas tributárias também são benefícios que podem ser valorados, como o ICMS Ecológico. No Paraná, essa ferramenta de conservação permite a um município receber repasse adicional do governo estadual em função da presença de unidades de conservação em seu território. Esse valor varia de acordo com o tipo da UC, a extensão e qualidade do manejo da área. A presença de Salto Morato gera cerca de R$ 100 mil adicionais em impostos por ano à cidade-sede, via ICMS Ecológico.

Pecuária evitada auxilia na redução de gases do efeito estufa

Para alguns dos benefícios valorados, o roteiro compara projeções a partir de dois cenários: em um deles, considera-se o uso da área caso a unidade de conservação não tivesse sido criada. Já no outro cenário foi levado em conta a criação das UCS, com manejo adequado da área. A exemplo de diversas áreas naturais não protegidas no país, os locais de instalação das duas reservas da Fundação Grupo Boticário eram utilizados como fazendas de gado.

Sem a instalação das reservas e considerando a continuidade da atividade agropecuária, estimou-se o quanto de gases de efeito estufa, principalmente metano, seriam emitidos pelo gado. Com a criação das unidades de conservação, esses gases não foram lançados à atmosfera, calculando-se então, o benefício da chamada pecuária evitada. No caso da Reserva Natural Salto Morato, o valor desse benefício foi de R$2.310 ao ano, sendo que na Reserva Natural Serra do Tombador, esse valor chegou a R$11.550.

Utilizando essa mesma lógica de reduzir a emissão de gases que causam o aquecimento global, outro benefício analisado foi a redução por desmatamento e degradação (REDD). Ele foi calculado com base em estimativas do volume de GEEs que seriam emitidos em áreas nativas passíveis de serem convertidas em outros usos, como agricultura ou a própria pecuária. Para conferir o roteiro com todos os benefícios valoráveis, clique aqui. Também está disponível aqui um resumo executivo com os principais resultados da valoração das duas reservas da Fundação Grupo Boticário.

De acordo com Malu Nunes, a valoração de benefícios permite que as unidades de conservação (UCs) sejam percebidas como instrumentos de desenvolvimento socioeconômico, além de conservar a biodiversidade e contribuir para a qualidade de vida da população. “Os resultados obtidos em nosso estudo confirmam que a conservação da natureza, por meio das UCs, pode ser um ótimo negócio para suas regiões, tanto do ponto de vista econômico e social, como do ambiental”, resume a diretora.

FONTE: Palavra Digital, disponível também aqui.

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