A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), está em franca campanha pela aprovação do relatório do deputado Aldo Rebelo que cria o Novo Código Florestal brasileiro. Usando dados do IBGE faz parecer que a área de matas e florestas nas propriedades particulares cresceu significativamente, o que não ocorreu.
De acordo com a CNA, enquanto as áreas dos estabelecimentos agropecuários aumentaram 32,1% entre 1960 e 2006, as áreas de mata e floresta dentro de propriedades privadas cresceram 72,5%. “Em 46 anos, o crescimento das matas e florestas localizadas dentro de áreas privadas foi mais do que o dobro [em termos proporcionais] do crescimento geral registrado das áreas privadas. Estamos totalmente inseridos no processo de melhoria das condições das matas ciliares, protegendo a água e todas as encostas que estiverem ferindo os aquíferos e rios subterrâneos, porque estas são nossas fontes de vida”, afirma Kátia Abreu. Veja a matéria.
Após anos consecutivos de desmatamento recorde, como pode a realidade se apresentar tão diferente do senso comum? Olhando de perto os dados usados pela CNA, percebe-se que eles foram manipulados de maneira a induzir a um grave erro de interpretação. Revisando os dados do Censo Agropecuário do IBGE, fonte utilizada pela CNA, percebe-se que o aumento proporcional das áreas de florestas nativas nos imóveis rurais é bem menor do que o que vem sendo alardeado. A tabela abaixo mostra a conta correta. A proporção de matas e florestas em relação a áreas de estabelecimentos agropecuários (privadas) saiu de 23,19% em 1960 para 29,85% em 2006. Houve, portanto, um crescimento de 6,66% ao invés dos 72,5% alardeados pela CNA. Veja a tabela.
Muitos poderão alegar que, ainda assim, é um crescimento significativo. Mas é preciso ir além da superfície dos números e qualificar melhor o que estes representam. Cabe lembrar que a expansão da fronteira agrícola a partir dos anos 70 se deu basicamente em regiões florestadas do Cerrado e da Amazônia, locais onde as áreas passíveis de derrubada são menores (na Amazônia desde 1965 deve-se manter 50% da cobertura florestal nativa, percentual que aumentou para 80% em 1998). Nesse sentido, o aumento relativo de matas e florestas em áreas privadas se deu principalmente pela incorporação ao patrimônio privado de áreas públicas florestadas, e não por uma recuperação florestal nos imóveis já existentes. Outro ponto que o estudo da CNA não discute é a redução da proporção de matas e florestas nos imóveis particulares entre 1975 e 2006.
É importante notar ainda que os Censos Agropecuários, assim como os demais censos, são autodeclaratórios, e que mudanças nos contextos políticos podem levar a algum tipo de viés nas respostas. Em 1960, por exemplo, havia uma forte pressão pela reforma agrária, o que pode ter contribuído para uma subestimativa das áreas de florestas em favor das lavouras com o objetivo de garantir a posse da terra. Em 2006, a situação já é bem diferente e poucos produtores se arriscariam a declarar que tinham áreas de matas e florestas menores que as estabelecidas pelo Código Florestal.
Para além da discussão falaciosa de números, o caminho para resolver o impasse do Código Florestal passa por soluções que reflitam a diversidade socioambiental do país e que busquem inovar tanto nas velhas políticas agrícolas de crédito, seguro e comercialização, tanto como novos mecanismos de valorização dos ativos florestais em propriedade privadas. Dos números, cabe buscar a equação de equilíbrio, do ganha-ganha, onde todos os lados podem se beneficiar e, em especial, os nossos filhos e netos.
FONTE: Texto de Léa Vaz Cardoso, do ISA, enviado por Letícia Campos (Assessoria de Comunicação do GTA)
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